sexta-feira, maio 05, 2023

MONUMENTO DOM AFONSO HENRIQUES 2018 BRASIL RIO DE JANEIRO

 O primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques (1111/1185), ficou na história como «o Conquistador», pela determinação e arrojo com que levou a cabo a reconquista e alargamento para sul do pequeno Condado Portucalense. Foi, pois, um guerreiro destemido e consequente, e, ao mesmo tempo, um político hábil que soube ultrapassar as labirínticas negociações com o Papa para conseguir o reconhecimento e a independência do reino de Portugal, em 1143, pelo Tratado de Zamora. A visão, modelada no barro e fundida no bronze, com cerca de 250cm de altura e 900kg de peso, é a de um guerreiro apoiado com firmeza na perna esquerda enquanto a direita avança, sondando cautelosamente o espaço e o tempo em devir; as mãos seguram a espada contra o corpo, horizontalmente, em sinal de trégua momentânea, mas também de último argumento disponível para entronizar as ideias forjadas e defendidas; e, se a cruz dos Templários une, sobre o peito, os quatro pontos cardeais, o escudo com a cruz de Cristo, sobre as costas, remete, simbolicamente, para a “sabedoria prudencial” de quem soube proteger-se das ciladas urdidas no decorrer dos tempos passados. Se o futuro é o destino sonhado, este só pode argumentar-se na firmeza das memórias vivas do passado ancestral que, no presente, carregamos e testemunhamos. Assim, o bronze, como material perene, abre em chave hermenêutica, a possibilidade de uma abordagem sempre intemporal, de um passado memorizado, entranhado de lendas e mitos, que no presente vivemos e recriamos, e que poderemos catapultar para um futuro sempre incerto, sabendo que somos apenas um elo (com suas firmezas e fragilidades) de uma cadeia universal que se vai renovando eternamente. Porque a vida é um combate permanente que deixa cicatrizes, mesmo quando as vitórias parecem ser totais. Logo, na figura do primeiro rei de Portugal, o rei fundador, poderemos reconhecer um pedaço heroico da trama da nossa história, sem perdermos de vista que essa poderá ser também a imagem de cada um de nós, postados frente aos desafios do futuro, munidos de espada, cota de malha e escudo, como metáforas do poder mental, sabiamente justo, argumentado e defendido, enquanto a coroa pode conotar a ideia de prémio pelos patamares de transcendência e excelência alcançados, numa vida norteada pelo verdadeiro combate travado com as contradições negativas da própria consciência. Por outro lado, se a cruz é sempre sinal de interceção ou ponto de encontro de caminhos, nela poderá metaforizar-se a ideia de apaziguamento interior conseguido à custa de uma autêntica «cruzada» travada, tenazmente, contra os fantasmas e os instintos negativos que fazem parte da condição humana, numa caminhada individual orientada em prol do coletivo. Por isso, a figura apresenta essas escoriações do tempo, marcadas sobre o corpo, alertando-nos para a ideia de combate que a própria vida encerra, e sabendo-se que esse combate será sempre uma luta regeneradora que cada um terá de travar contra esse sinistro duplo de si próprio, rosto do “inumano”, que, por dentro, vai minando e corroendo. E será desse combate travado, em que cada um ao sair vencedor, cauterizadas as feridas, ganha o estatuto de cidadão fronteiriço ou de habitante das fronteiras do mundo, daí estendendo o pé para tentar avançar à conquista desse cerco ou âmbito de mistério que, em desafio, se apresenta para além dos confins do mundo e da própria existência. Se a perna esquerda está presa à matéria, a direita liberta-se para avançar na direção desse âmbito desconhecido e misterioso que nos transcende e que sentimos desafiar-nos a cada momento da nossa vida. Estas breves ideias ou linhas de pensamento são apenas (e só) pontos de partida para que cada um possa construir as suas próprias narrativas, tentando descortinar os significados ocultos que só o próprio pode descobrir, sabendo que a obra de arte nunca se apresenta com significados determinados e fixos na origem. Pelo contrário, a verdadeira obra de arte, pelo poder do símbolo, sabe flutuar sempre para lá do conhecimento e das tentativas de descodificação total, abrindo-se indeterminadamente a novas ideias como acontece com a água límpida da fonte que eternamente se renova. 

Estamos profundamente gratos à Ex. ma Direção da Casa do Minho do Rio de Janeiro, nas pessoas do seu ilustre presidente e do dr. Paulo Ribeiro, pelo privilégio do desafio que nos foi lançado, e pela confiança em nós depositada. Sentimo-nos verdadeiramente honrados e reconhecidos. Bem hajam todos. 

Importa sublinhar o alcance e o significado que esta obra tem para nós, pois, sendo um trabalho destinado ao Brasil, sentimos o peso e a responsabilidade implícitos, visto tratar-se de um país com um legado artístico ímpar. Logo, conhecedores do nível de exigência, ajudou-nos muito o facto de nascermos perto de Guimarães (onde nasceu Dom Afonso Henriques) e de conhecermos os principais factos históricos da sua vida.

Poder-se-á afirmar que somos feitos do mesmo húmus. Sentimo-nos, passe a expressão, como se fossemos da família, e, de facto, em cada pedaço de barro colocado na modelação do corpo sentíamos o pulsar da vida desse grande guerreiro, símbolo da afirmação nacional e da vontade de vencer. Oxalá que a obra venha a constituir um elo, por mais humilde que seja, a estreitar as relações entre dois povos irmanados pela história.

Os autores,

Vânia Mendanha

Mendanha

Nuno Mendanha

2018 








Sem comentários: