À procura de um conceito
Mendanhas-Arte
Fotos de obras de Mendanha(pai), Nuno Mendanha(filho) e Vânia Mendanha(filha).
sexta-feira, maio 05, 2023
Monumento ao motociclista "HOMO VIATOR" 2013 PORTUGAL BARCELOS
Escultura Nossa Senhora das Dores 2021 Caldas de São Jorge
MONUMENTO DOM AFONSO HENRIQUES 2018 BRASIL RIO DE JANEIRO
O primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques (1111/1185), ficou na história como «o Conquistador», pela determinação e arrojo com que levou a cabo a reconquista e alargamento para sul do pequeno Condado Portucalense. Foi, pois, um guerreiro destemido e consequente, e, ao mesmo tempo, um político hábil que soube ultrapassar as labirínticas negociações com o Papa para conseguir o reconhecimento e a independência do reino de Portugal, em 1143, pelo Tratado de Zamora. A visão, modelada no barro e fundida no bronze, com cerca de 250cm de altura e 900kg de peso, é a de um guerreiro apoiado com firmeza na perna esquerda enquanto a direita avança, sondando cautelosamente o espaço e o tempo em devir; as mãos seguram a espada contra o corpo, horizontalmente, em sinal de trégua momentânea, mas também de último argumento disponível para entronizar as ideias forjadas e defendidas; e, se a cruz dos Templários une, sobre o peito, os quatro pontos cardeais, o escudo com a cruz de Cristo, sobre as costas, remete, simbolicamente, para a “sabedoria prudencial” de quem soube proteger-se das ciladas urdidas no decorrer dos tempos passados. Se o futuro é o destino sonhado, este só pode argumentar-se na firmeza das memórias vivas do passado ancestral que, no presente, carregamos e testemunhamos. Assim, o bronze, como material perene, abre em chave hermenêutica, a possibilidade de uma abordagem sempre intemporal, de um passado memorizado, entranhado de lendas e mitos, que no presente vivemos e recriamos, e que poderemos catapultar para um futuro sempre incerto, sabendo que somos apenas um elo (com suas firmezas e fragilidades) de uma cadeia universal que se vai renovando eternamente. Porque a vida é um combate permanente que deixa cicatrizes, mesmo quando as vitórias parecem ser totais. Logo, na figura do primeiro rei de Portugal, o rei fundador, poderemos reconhecer um pedaço heroico da trama da nossa história, sem perdermos de vista que essa poderá ser também a imagem de cada um de nós, postados frente aos desafios do futuro, munidos de espada, cota de malha e escudo, como metáforas do poder mental, sabiamente justo, argumentado e defendido, enquanto a coroa pode conotar a ideia de prémio pelos patamares de transcendência e excelência alcançados, numa vida norteada pelo verdadeiro combate travado com as contradições negativas da própria consciência. Por outro lado, se a cruz é sempre sinal de interceção ou ponto de encontro de caminhos, nela poderá metaforizar-se a ideia de apaziguamento interior conseguido à custa de uma autêntica «cruzada» travada, tenazmente, contra os fantasmas e os instintos negativos que fazem parte da condição humana, numa caminhada individual orientada em prol do coletivo. Por isso, a figura apresenta essas escoriações do tempo, marcadas sobre o corpo, alertando-nos para a ideia de combate que a própria vida encerra, e sabendo-se que esse combate será sempre uma luta regeneradora que cada um terá de travar contra esse sinistro duplo de si próprio, rosto do “inumano”, que, por dentro, vai minando e corroendo. E será desse combate travado, em que cada um ao sair vencedor, cauterizadas as feridas, ganha o estatuto de cidadão fronteiriço ou de habitante das fronteiras do mundo, daí estendendo o pé para tentar avançar à conquista desse cerco ou âmbito de mistério que, em desafio, se apresenta para além dos confins do mundo e da própria existência. Se a perna esquerda está presa à matéria, a direita liberta-se para avançar na direção desse âmbito desconhecido e misterioso que nos transcende e que sentimos desafiar-nos a cada momento da nossa vida. Estas breves ideias ou linhas de pensamento são apenas (e só) pontos de partida para que cada um possa construir as suas próprias narrativas, tentando descortinar os significados ocultos que só o próprio pode descobrir, sabendo que a obra de arte nunca se apresenta com significados determinados e fixos na origem. Pelo contrário, a verdadeira obra de arte, pelo poder do símbolo, sabe flutuar sempre para lá do conhecimento e das tentativas de descodificação total, abrindo-se indeterminadamente a novas ideias como acontece com a água límpida da fonte que eternamente se renova.
Estamos profundamente gratos à Ex. ma Direção da Casa do Minho do Rio de Janeiro, nas pessoas do seu ilustre presidente e do dr. Paulo Ribeiro, pelo privilégio do desafio que nos foi lançado, e pela confiança em nós depositada. Sentimo-nos verdadeiramente honrados e reconhecidos. Bem hajam todos.
Importa sublinhar o alcance e o significado que esta obra tem para nós, pois, sendo um trabalho destinado ao Brasil, sentimos o peso e a responsabilidade implícitos, visto tratar-se de um país com um legado artístico ímpar. Logo, conhecedores do nível de exigência, ajudou-nos muito o facto de nascermos perto de Guimarães (onde nasceu Dom Afonso Henriques) e de conhecermos os principais factos históricos da sua vida.
Poder-se-á afirmar que somos feitos do mesmo húmus. Sentimo-nos, passe a expressão, como se fossemos da família, e, de facto, em cada pedaço de barro colocado na modelação do corpo sentíamos o pulsar da vida desse grande guerreiro, símbolo da afirmação nacional e da vontade de vencer. Oxalá que a obra venha a constituir um elo, por mais humilde que seja, a estreitar as relações entre dois povos irmanados pela história.
Os autores,
Vânia Mendanha
Mendanha
Nuno Mendanha
2018
Em memória de ANTÓNIO GUEDES
Iluminado por um céu límpido de Sol de Novembro, quiçá pintado pelos Deuses Antigos ou outra Maior Providência, talvez a homenagear o brilho dos gessos efectuados pelo Mestre na Arte da Escultura, por solo de Olival, foi assim a despedida física de António Guedes. 62 anos dedicados ao processo clássico da passagem de uma escultura em barro para gesso, num corpo estóico de 75 anos que representa valores facilmente identificáveis que subsistirão muito tempo depois da sua partida para a Eternidade: a começar pela entrega total à Estética com Ética e só possível por uma profunda conexão ao solo em que caminhou e que o estruturou, em tempos de opressão, como Ser Humano de maior dimensão, humildade, partilha, consciência política e social, com um olhar no horizonte sempre mais profundo de equidade e justiça sobre o seu semelhante.
Na Escultura, inevitavelmente, o maior combate ontológico será sempre entre luz e sombra, assim como a própria vida em si. Por isso se esculpe com todo o Ser que somos e temos. António Guedes tinha uma capacidade singular de apurar até ao último centímetro de barro, com uma sapiência fora do vulgar, a marca do Escultor. Será, por ventura, o maior técnico Mestre nesta Arte ancestral, em solo Português. De norte a Sul de Portugal, a maioria das esculturas passaram pelo esmero técnico de António.
A Escultura hoje, obedecendo a valores de um tipo de Estética e também a fenómenos sociólogos, está mais distante ou resiliente ao bronze, e o que resta de paixão está apenas nos poucos e talvez cada vez menos que ainda a realizam. Por isso é que relembrar António Guedes é também reavivar os que testemunharam o seu notável talento com o gesso, destacando os seus irmãos, fiéis seguidores, Avelino, Adelino, Fernando, o incansável Amigo Ângelo e os seus genros Nelson Oliveira e Toni Santos; os escultores que consigo trabalharam; os que apenas ouviram contar; os que sabem o que a sua figura significa e os que compreendem que este é também referência incontornável de um tempo que a Escultura não conhecerá nunca mais.Um forte abraço para a esposa Fernanda Guimarães , outro para a filha Susana Lopes e outro para a netinha Maria João (detentora de um sorriso igual ao do avô).
Monumento a Fabrice Miguet "MIG" 2022 França Normandia Chambois
Tínhamos encontrado um filão precioso e crucial para explorar na escultura e para consubstanciar a procura da "Alma" Normanda: Porque os mitos -como Mig - transcendem os lugares onde nasceram e os próprios países, são universais. Não significando que na universalidade seja ignorado o "génio local" (genius loci). Por isso, o "húmus" da Normandia será sempre a grande referência que nos norteia.
De acordo com a ideia geral o húmus da terra transforma-se (transmuta-se) em moto e no corpo de Mig, por isso a zona das pernas e do tronco devem testemunhar essa metamorfose. Deste modo afastamo-nos do perigo de criar um Biblot decorativo e não uma obra de arte.
O "Mig" tem sido apelidado de "o francês mais rápido da Ilha de Man" graças a uma volta no circuito de Troféu Turístico da Ilha de Man em 18 min 36 s. Para a comunidade de motociclismo francesa, o "Mig" representou o modelo do piloto amador cuja existência é inteiramente dedicada à sua paixão. Morre na 4ª volta da corrida de Superstock no Grande Prémio de Motos de Ulster (Irlanda do Norte)
Estas breves ideias ou linhas de pensamento são apenas (e só) pontos de partida para que cada um possa construir as suas próprias narrativas, tentando descortinar os significados ocultos que só o próprio pode descobrir, sabendo que a obra de arte nunca se apresenta com significados determinados e fixos na origem. Pelo contrário, a verdadeira obra de arte, pelo poder do símbolo, sabe flutuar sempre para lá do conhecimento e das tentativas de descodificação total, abrindo-se indeterminadamente a novas ideias como acontece com a água límpida da fonte que eternamente se renova.
Logo, se a ideia geral do campeão aparece denotada explicitamente, deverá ser considerada a possibilidade simbólica que remete, conotativamente, para a ideia do lutador, que cada um traz dentro de si, postado que está perante o dom da vida, e tendo consciência de que esta exige toda a espécie de argumentos defensivos para poder travar esse combate final, no campo das ideias fronteiriças que interrogam sobre os fundamentos e sobre a essência da Condição Humana: assim contextualizado, o bronze, se por um lado representa Fabrice Miguet ( "o francês mais rápido da Ilha de Man" graças a uma volta no circuito de Troféu Turístico da Ilha de Man em 18 min 36 s, entre outros feitos, Para a comunidade de motociclismo francesa, o "Mig", também representa o modelo do piloto cuja existência é inteiramente dedicada à luta contra os próprios limites.), por outro simboliza o Ser Humano sempre que, no campo livre e perene das ideias, se interroga sobre as suas origens, sobre o significado da própria vida, e sobre o seu destino final. E foi nessa luta que o campeão Mig se transformou num mito. E os mitos, sabemo-lo, são eternos.
Os autores:
Mendanha
Vânia Mendanha
Nuno Mendanha
30 Abril 2022